Algumas das características dos jogos digitais

David de Oliveira Lemes
8 min readApr 10, 2017

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Para estudantes, profissionais e entusiastas do universo dos games, conhecer as características predominantes dos jogos digitais é fundamental para o bom entendimento desta mídia cada vez mais popular

Pac-Man: lançado em 22 de maio de 1980

Os jogos digitais, tão bem conhecidos como games, fazem parte da cultura de massa há pelo menos 40 anos, desde a popularização dos consoles de videogames, como o Atari Video Computer Systems (Atari VCS) e a consequente invasão de lares por todo o mundo.

Lançado em 1977, o console que seria mais tarde chamado de Atari 2600, chegou a vender 8 milhões de unidades até 1983. De acordo com Vicente (2005), no início da década de 80, o Atari já era um grande sucesso. O mercado então é inundado por centenas de novos jogos. Acessórios e periféricos revolucionários prometiam ao usuário controlar as ações do jogo apenas com o seu pensamento, como no caso raríssimo do MindLink.

Apesar do grande sucesso comercial do Atari 2600, os jogos digitais não ficaram confinados aos consoles de videogame e são classificados (ou agrupados) por gêneros. Segundo Santaella (2007), os games dividem-se em três grandes tipos, reunidos a partir do suporte utilizado: jogos para consoles ocorrem em um console acoplado ao monitor de uma televisão à parte, como o Atari ou o Playstation; os jogos para computador ocorrem no monitor do computador a partir de seu próprio hardware; e os jogos para arcades, que alguns chamam de equivocadamente de ‘fliperama’, são grandes máquinas integradas (o console com um monitor), geralmente dispostas em lugares públicos. E com a popularização dos dispositivos móveis, podemos inserir nesta classificação também dos jogos mobile.

Game: definições

Como pudemos ver, a partir da década de 1970, os games por intermédio dos consoles de videogame passaram a fazer parte da cultura de massa. Assim sendo, como podemos definir um game?

Um game é uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitada por regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final. As regras do universo do game são apresentadas por meios eletrônicos controlados por um programa digital. As regras e o universo do game existem para proporcionar uma estrutura e um contexto para as ações de um jogador. As regras também existem para criar situações interessantes com o objetivo de desafiar e se contrapor ao jogador. As ações do jogador, suas decisões, escolhas e oportunidades, na verdade, sua jornada, tudo isso compões a “alma do game”. A riqueza do contexto, o desafio, a emoção e a diversão da jornada de um jogador, e não simplesmente a obtenção da condição final, é que determinam o sucesso do game (SCHUYTEMA, 2008, pg. 7).

Schuytema (2008) apresenta uma definição de quem está inserido na indústria dos games. Porém, questões relativas à definição de jogo estão presentes na literatura há muito tempo. Por este motivo, segundo Ranhel (2009), trabalhou com a ideia de criar um conjunto de definições de jogo em um painel único parece um caminho sensato. Esse trabalho foi realizado por Jesper Juul e, uma vez montado, tenta extrair uma definição que contemple todos os aspectos ou elementos destacados no conjunto de definições agrupadas no painel. Juul parte das definições de Huizinga, Caillois, Bernard Suits, David Kelley, Avedon & Sutton-Smith, Chris Crawford e Salen & Zimmerman presentes a seguir:

Johan Huizinga

“… uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segunda uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com a tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.”

Roger Caillois

“(o jogo) é uma atividade que é essencialmente: livre (voluntária), separada (no tempo e espaço), incerta, improdutiva, governada por regras, fictícia (faz-de-conta).”

Bernard Suits

“Jogar um jogo é se engajar em uma atividade dirigida para causar um estado específico de ocorrências, usando somente meios permitidos por regras, onde as regras proíbem meios mais eficientes em favor de meios menos eficientes, e onde tais regras são aceitas apenas porque elas tornam possível tal atividade.”

Avedon & Sutton-Smith

“No seu nível mais elementar podemos definir jogo como um exercício de sistemas de controle voluntário, nos quais há uma posição entre forças confinado por um procedimento e regras, a fim de produzir um resultado não estável.”

Chris Crawford

“Eu percebo quatro fatores comuns: representação (um sistema formal fechado, que subjetivamente representa um recorte da recorte da realidade), interação, conflito e segurança (o resultado do jogo é sempre menos severo do que as situações que o jogo modela).”

David Kelley

“Um jogo é uma forma de recreação constituída por um conjunto de regras que especificam um objeto (objetivo) a ser almejado e os meios permissíveis de consegui-lo.”

Salen & Zimmerman

“Um jogo é um sistema no qual jogadores engajam-se em um conflito artificial, definido por regras, que resultam em um resultado quantificável.”

Vicente Gosciola, em entrevista concedida ao projeto Profissão Gamer em 2005, afirma que o game é uma hipermídia por excelência. Mas o que é a hipermídia? Segundo Santaella (2001), antes da era digital, os suportes estavam separados por serem incompatíveis: o desenho, a pintura e a gravuras nas telas, o texto e as imagens no papel, a fotografia e o filme na película química, o som e o vídeo na fita magnética. Depois da passagem pela digitalização, todos esses campos tradicionais de produção de linguagem e processos de comunicação humanos juntaram-se na constituição da hipermídia.

Para ampliar o contexto sobre as características dos jogos digitais, é sensato que olhemos para o passado para entender que, antes do advento dos videogames como conhecemos hoje, existiam simplesmente os jogos (como visto na tabela acima). E estamos falando de jogos de qualquer natureza. Sobre estas questões que Johan Huizinga chegou a definir o homem como o ser que brinca e, nesse sentido, afirma que:

O jogo é um traço essencial talvez o mais importante das sociedades humanas. Diferentemente dos outros animais que brincam, o homem é o único que faz conscientemente e durante a vida para obter prazer (HUIZINGA, 2004, pg. 47).

Se pela ótica de Huizinga (2004),sendo o jogo um traço essencial da sociedade, não é difícil entender o grande sucesso comercial dos jogos digitais, que começou com o lançamento do Atari 2600 em 1977 e segue até os dias de hoje. Contudo, existe outro elemento que, dado a evolução tecnológica em curso, foi determinante para o casamento do lúdico com o tecnológico: a interatividade mediada por aparatos tecnológicos.

Joysticks e Gamepads, vistos por dentro

O fator interatividade

Para Santaella (2004), uma definição básica de interatividade nos diz que se trata de um processo pelo qual duas ou mais coisas produzem um efeito uma sobre a outra ao trabalharem juntas. E continua:

No videogame, por exemplo, em que o jogo fica mais difícil conforme o jogador alcança alguns pontos (…) pode-se considerá-lo interativo porque o jogador está recebendo, respostas em tempo real da pessoa que criou o software para o jogo (SANTAELLA, 2004, pg. 153).

Analisando uma das definições de interatividade proposta por Santaella, vemos que, jogos de todos os tipos, inclusive os predecessores dos jogos digitais, são interativos. E estas interações podem acontecer das mais diversas formas, sobretudo nas competições diretas entre jogadores. Além a interatividade, a imersividade (chamada também de imersão por diversos autores) é um ponto que, por ser inerente a este novo meio, que são os jogos digitais, anda junto com a interatividade nas relações diretas e indiretas.

Em computação gráfica existem muitos graus de imersividade, seja num cenário 3D ou não. O conceito de imersividade está relacionado com o grau de interatividade que um usuário é capaz de ter numa aplicação. Esta interatividade não está apenas relacionada à capacidade de “andar” num cenário, mas também com a capacidade de interagir com objetos e outros personagens dentro deste mundo virtual. Outros fatores que permitem aumentar o grau de imersividade de uma aplicação são o seu foto-realismo (semelhança com o mundo real) e estímulos sensoriais, que podem ser dados por joysticks e diversos dispositivos de entrada (como por exemplo, no joystick Dual Shock 2, do Playstation 2 (PS2), pode-se o perceber até 128 níveis de pressão no controle, além de ser capaz de fazer com que o controle vibre de acordo com situações do jogo, como por exemplo quando um carro passa raspando na parede ou entra no banco de areia da pista) (CLUA e BITTENCOURT 2004, pg. 6).

Percebemos que a questão do jogo, tão presente na condição humana, ganhou o suporte digital em função da evolução das tecnologias que permearam o Século XX e continuam presentes no Século XXI. Contudo, se a interatividade já estava presente antes dos jogos chegarem aos ambientes digitais e a imersividade se faz presente nos ambientes tridimensionais, o que diferencia os jogos do passado com os games do presente? De acordo com Nesteriuk (2002), ao analisar este novo universo, é notório que a principal diferença entre os videogames e seus precursores não eletrônicos é que os videogames acrescentaram automação e complexidade — eles podem sustentar e calcular regras do jogo por si só permitindo, por meio disso, mundos de jogos (gameworlds) mais profundos; além de permitir a manutenção do ritmo do jogo. Assim, videogames criaram novos mundos, mais tempos-reais e mais jogos individuais (single player) que os jogos não eletrônicos .

A característica interativa, presente em todos os jogos, segundo Rabelo (2005), é a dependência de comandos sobre uma interface digital que faz com que o projeto desta natureza não seja um filme ou uma animação, mas um game.

Nos jogos digitais, vemos que, a interatividade e a imersividade, são fatores determinantes que, aliados ao conjunto de tecnologias que permeiam os games, foram primordiais para construir as características básicas e fundamentais desse universo em constante evolução. E sendo digital por natureza, concluímos que para um seu pleno funcionamento, é necessário um suporte computadorizado, seja este em forma de um computador (PC ou MAC) ou de um console de videogame.

Sob a ótica deste artigo, todas as características supracitadas dos jogos digitais são plenamente aplicadas no desenvolvimento de um game, independente de sua natureza e suporte. Mas este será o tema tratado no próximo artigo. ;)

Bibliografia

CLUA, Esteban Walter Gonzalez. Como funciona um game 3-D? In: BOBANY, Arthur. Vídeo Game Arte. Teresópolis, RJ, Novas Ideias, 2008.

HUIZINGA, J. Homo Ludens. Tradução de J.P. Monteiro. São Paulo, Perspectiva, 2004, 1938.

NESTERIUK, Sérgio. A narrativa do jogo na hipermídia: a interatividade como possibilidade comunicacional. PUC-SP, 2002. Dissertação de Mestrado em Comunicação e Semiótica.

RABELO, Cláudio. Game Design. In: AZEVEDO, Eduardo (org.). Desenvolvimento de jogos 3D e aplicações em realidade virtual. Rio de Janeiro, Elsevier, 2005.

RANHEL, João. O conceito de jogo e os jogos computacionais. In: SANTAELLA, Lucia. e FEITOSA, Mirna. (orgs.). Mapa do Jogo — A diversidade cultural dos games. São Paulo, Cengage Learning, 2009.

SANTAELLA, Lúcia. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo, Paulus, 2007.

______ Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São Paulo, Paulus, 2004.

______ Matrizes da Linguagem e Pensamento — Sonora Visual Verbal. São Paulo, Iluminuras, 2001.

SCHUYTEMA, Paul. Design de games: uma abordagem prática. São Paulo, Cengage Learning, 2008.

VICENTE, Victor. Análise das Estruturas Interativas em Jogos Multiplayer: Caso Counter-Strike. PUC-SP, 2002. Dissertação de mestrado em comunicação e semiótica.

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